15 abril, 2011

O CASO MARINA: O PAPEL DA INTERNET NA CONQUISTA DE VOTOS

Por Caio Túlio Costa em 15/4/2011

Reproduzido, com adaptações, da revista Interesse Nacional (Ano 4, Número 13, abril-junho de 2011), título original "O papel da internet na conquista dos votos de Marina Silva"

A internet tem potencial para mudar radicalmente o fazer político. No Brasil, isso começou a ficar mais claro em 2010 e a atuação de Marina Silva na internet representou o maior diferencial na campanha presidencial. Ferramenta imprescindível na disseminação da causa do desenvolvimento sustentável, a internet teve papel estratégico na composição dos 19.636.359 votos do número 43, de Marina Silva, digitado nas urnas eletrônicas no primeiro turno.

No entanto, quem lê jornais impressos ou eletrônicos, deve se recordar de manchetes que davam conta do "fracasso" da internet nas eleições de 2010 [ver balanço assinado por Miguel Caballero em O Globo publicado em 06/10/2010, sob o chapéu "Internet frustra expectativas" e o título: "Durante campanha, web fracassou na mobilização e na promoção de debates", conforme acessado em 06/01/2011. Ver também, de Alec Duarte, na Folha de S. Paulo, publicado em 05/10/2010 sob o título "Na reta decisiva, internet parece ter produzido ruído eleitoral" conforme acessado em 06/01/2011], principalmente nas comparações realizadas com a campanha de Barack Obama, em 2008, nos Estados Unidos, quando a internet despontou como a principal plataforma de arrecadação de pequenas doações e o meio mais eficaz de interação entre o candidato e o eleitorado.

A comparação tem sentido – quando realizada corretamente. Quando se demonstra as condições, o cenário e a maneira como cada um usou os meios digitais. Evidentemente, o sucesso de Obama não se deveu exclusivamente à internet. Nem o desempenho de Marina Silva.

No Brasil, pesquisa do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), revelada após as eleições, mostrou que a internet ultrapassou jornal, revista e rádio nas eleições de 2010 como fonte de informação do eleitor brasileiro. Ela apareceu em terceiro lugar, com 9,9% de preferência entre as principais fontes de informação dos eleitores entrevistados.

No primeiro lugar veio a televisão, com 56,6% da preferência. Em segundo, com 18,4% das preferências, a conversa com amigos e parentes. O que a pesquisa não apurou foi quanto internet ajudou a influenciar as conversas entre amigos e parentes [ver reportagem de Nara Alves, no Último Segundo (iG) em 29/11/2010, conforme acessado em 16/11/2011].

No caso de Marina Silva, pode-se dizer, com alguma margem de segurança, que sem a internet a candidata não teria alcançado quase 20 milhões de votos nem conquistado o terceiro lugar com o maior percentual (19,3%) dos votos desde a primeira eleição geral e livre depois da ditadura, em 1989. [Entre os terceiros colocados em primeiro turno, em 2006, Heloisa Helena conseguiu 6,8% dos votos; em 2002, Anthony Garotinho conquistou 15.180.097 votos e atingiu 17,8%; em 1998, Ciro Gomes chegou a 11%; em 1994, Enéas Carneiro apenas 2,1% e em 1989 Leonel Brizola conquistou 16,5%. Conforme site do TSE e Wikipédia, acessados em 08/01/2011.]

Somente Anthony Garotinho chegou perto, em 2002, com 17,8% dos votos em primeiro turno, com quase cinco milhões de votos a menos que Marina Silva. Mas Garotinho, radialista, já havia sido prefeito de Campos dos Goytacazes, a segunda cidade do Rio de Janeiro, por duas vezes, e governador do estado do Rio de Janeiro quando se candidatou a presidente. Ou seja, era mais conhecido que Marina Silva.

Em relação à visibilidade nos meios de comunicação nacionais, Marina começa a aparecer timidamente em 1994, quando se elegeu senadora. Passou a ganhar destaque quando alçada ao ministério do Meio Ambiente, em 2003. Garotinho ganhou visibilidade nacional em 1998, quando candidato vencedor do governo do Rio de Janeiro.

Impossível aferir com exatidão quanto desses 20 milhões decorreu do trabalho da candidata na internet. Os números mostram que a sua mensagem pode ter chegado a mais de 12,5 milhões de internautas, de forma direta ou indireta, como se verá adiante. Por isso, pretende-se mostrar aqui o quão estratégico foi para o desempenho desta candidatura a operação na rede – talvez o primeiro trabalho orgânico, completo e complexo na web em um processo eleitoral no Brasil.

Se Barack Obama montou para sua campanha um sofisticado sistema de arrecadação de doações baseado no manejo do contato virtual do candidato com o eleitor, inspirado nas plataformas tradicionais de administração da relação das empresas com o consumidor (empresarialmente conhecida como CRM, Customer Relationship Management), uma campanha eleitoral, como a de Marina Silva, carecia de algo semelhante. Mesmo sabendo que a cultura de doações inexistia no Brasil, que o alcance de internet era a metade comparada aos EUA (por volta de 37,8% da população brasileira tem acesso à internet contra 77,3% de penetração nos EUA [ambos os dados estão no site Internet World Stats, atualizado em junho de 2010 e acessado em 27/10/2010]) e que os recursos seriam escassos.

A boa notícia era que, naquele ano, as regras eleitorais se abrandariam em relação à internet e permitiriam aos candidatos uma atuação mais livre, principalmente nas redes sociais. Também garantiriam a possibilidade de arrecadação on line ao menos por um curto período, a partir do início da campanha, no mês de julho.

Cada candidato teria três meses para tentar captar recursos via internet. A facilitação para que pessoas físicas pudessem doar facilmente qualquer quantia, ao alcance de um simples clique no seu computador, transformou-se em um dado que a democracia brasileira ainda vai valorizar devidamente. "Muitas pessoas contribuindo com pouco em lugar de poucas contribuindo com muito", no dizer de Marina Silva durante a campanha.

Essa possibilidade, que nasceu com as eleições de 2010, poderá desestabilizar (para quem deseja mudar o fazer político baseado em favores e retribuições) o velho e fisiológico modelo de financiamento de campanha que tradicionalmente amarra os candidatos aos grandes doadores.

O plano de ação

Com os recursos advindos do caixa comedido do Partido Verde, a equipe de comunicação elaborou o plano de ação para propiciar à futura campanha uma comunicação integrada. Ou seja, unir numa mesma equipe a coordenação do relacionamento com a mídia clássica (relações com a imprensa, consultoria para formulação de posicionamentos, análise de desempenho, aperfeiçoamento de porta-vozes, subsídios para abordagem de temas locais, supervisão direta dos trabalhos de campo, preparação para debates, sabatinas e entrevistas, agenda de relacionamento com "publishers" e colunistas de prestígio) com a coordenação da nova mídia (equipe que cuidaria da internet, do site, do blog, dos perfis da candidata nas redes sociais de maior audiência, do monitoramento da atividade na rede) e com o sistema de arrecadação on line.

Para que tudo funcionasse organicamente era óbvio, quase natural, unir o comando da comunicação da nova mídia e da mídia clássica com as unidades distintas da campanha: o pessoal da agenda, da mobilização, do programa de governo, do jurídico, de pesquisa eleitoral, do programa de televisão e do financeiro sob o comando de João Paulo Capobianco (coordenador da campanha), de Guilherme Leal, o candidato a vice, e da própria Marina Silva.

Durante a fase mais crucial da campanha (de julho até o dia da votação), os responsáveis por estas áreas se reuniram diariamente todas as manhãs, a partir das 7h30, para analisar a conjuntura, examinar como iam as campanhas, discutir a propaganda na internet, no rádio e na televisão, eleger o "sound bite" (a abordagem do assunto principal do dia e como abordá-lo) e tomar decisões.

Na internet, abriram-se 12 frentes de atuação distintas: 1) o site oficial, 2) o blog, 3) o Twitter, 4) a comunidade no Orkut, 5) a página ("fan page") no Facebook, 6) os vídeos no YouTube, 7) as fotos no Flickr, 8) o social game, 9) o trabalho de SEO ("search engine optimization"), 10) o trabalho batizado de SRM ("social relationship management" em oposição ao CRM, "customer relationship management"), 11) a arrecadação via internet e 12), o monitoramento de tudo o que se falasse sobre a candidata na internet, repositório de dados para o que viria a ser o cérebro da condução da campanha.

Um "social game", um jogo on line, intitulado Um Mundo, encabeçado pela palavra de ordem "construa um mundo melhor", também foi desenvolvido para lidar de forma lúdica com os internautas, em especial com os internautas mirins, expondo as prioridades sociais da plataforma de governo da candidata.

Havia uma questão. Marina Silva tinha pouca familiaridade com a rede. Navegava para realizar consultas tópicas e usava e-mail. Só. Foi preparado então o seu "batismo digital" na forma de uma visita à Campus Party, o maior encontro de interneteiros realizado anualmente no país, em São Paulo.

No dia 26 de janeiro Marina foi ao evento e falou com internautas, teve contato com parte da vanguarda da rede, expôs-se enquanto iniciante naquele mundo. Ela estava na condição de pré-candidata. Ali ela fez sua primeira alusão à candidatura de Obama: "Se nos Estados Unidos Obama pode vencer, acho que nós também podemos fazer isso. Sim, nós podemos".

Uma semana depois, no dia 2 de fevereiro, ela estrearia seu blog e seu perfil no Twitter – ambos pessoais porque a legislação impedia sua manifestação como candidata até ser proclamada enquanto tal por convenção partidária.

Foi esta operação conjunta – Campus Party, blog e Twitter – que começou a dar-lhe consistência na internet. (Um ano depois, foi recebida com naturalidade ao retornar à Campus Party, em 18 de janeiro de 2011. Aplaudida quando Al Gore se referiu a ela como "minha amiga", foi ouvida com atenção ao afirmar que a rede foi fundamental para a obtenção dos quase 20 milhões de votos. Também foi aplaudida ao confessar aos campuseiros que voltava ali para o "crisma" digital.) [Conforme "Campus Party 2011: Marina Silva defende internet pública gratuita" publicado no iG em 18/01/2011 e acessado em 21/01/2011.]

De volta à campanha de 2010: o pré-candidato José Serra (PSDB) vinha trabalhando havia quase um ano o seu perfil no Twitter, lançado em maio de 2009. Dilma Rousseff, do PT, que acabou eleita, estrearia o seu perfil apenas no começo de abril de 2010. Para a futura candidata do Partido Verde, o fato de ter aliado a estréia do perfil no Twitter ao blog pessoal, facilitou o trabalho duradouro e constantemente aperfeiçoado de sua persona na rede, que era, no fundo, a mesma da vida real.

Quando se olha, por exemplo, a evolução do desempenho dos três candidatos principais na web, a constância fica por conta do blog (e depois do site) de Marina Silva, conforme atesta a medição do NetView, uma ferramenta independente, ligada ao Ibope, que mede a audiência na internet tanto nos domicílios quanto nos locais de trabalho.

Como se vê no gráfico (Marina Silva aparece com audiência firme desde fevereiro de 2010, enquanto José Serra e Dilma Rousseff conseguem unificar os vários endereços nos quais podiam ser vistos apenas em julho de 2010.

O gráfico registra ainda a formidável escalada de Marina Silva no mês de setembro. Ela já vinha à frente de José Serra na internet, mas foi em setembro que ultrapassou a audiência da candidata Dilma Rousseff, então com 51% nas pesquisas eleitorais (o que teoricamente deveria lhe garantir a eleição em primeiro turno) contra 11% de intenção de voto em Marina Silva em meados de setembro [pesquisa Datafolha de 15/09/2010].


O que permitiu esse desempenho? A curiosidade em torno de Marina Silva e de sua causa? O fato de ela falar de assuntos importantes para o público jovem como sugeria a intuição política? Qual o tamanho real desse público? Ele poderia fazer a diferença na hora de votar? Como atingi-lo de forma positiva?

Grosso modo, trabalhando com dados que representam quase 93% dos usuários ativos em setembro de 2010, conforme o NetView, a rede brasileira se dividia assim: 21% da audiência era composta de crianças e jovens até 17 anos; 13% da audiência tinha de 18 a 24 anos; 27% da audiência tinha de 25 a 34 anos e podia ser considerada com formação universitária; o maior percentual, 33%, era formado pelo pessoal de 35 a 54 anos, e apenas 7% dos internautas tinham de 55 anos para cima. As mulheres formavam 45% da audiência; os homens 55%. Na rede, ao contrário do Censo do país, os homens são majoritários.

Era mandatório criar diferencial para este público. Despertar e integrar a maioria do contingente em uma preocupação comum. Integrar as pessoas sensíveis às causas em jogo: não apenas a da sustentabilidade, mas também a de um jeito novo de fazer e de entender política – contrário aos padrões fisiológicos dominantes na política brasileira. O desafio proposto sugeria que a abordagem na internet não deveria se restringir à resolução de uma equação etária, que levasse em conta apenas a idade ou geolocalização do público.

Havia um grande obstáculo. As pessoas não sabiam, ou sabiam pouco, quem era Marina Silva. Passava de 70% o grau de desconhecimento da então pré-candidata entre o eleitorado. Despacho da Agência Estado, disseminado em fevereiro, ia ao ponto nevrálgico: "Segundo a mais recente pesquisa Ibope, divulgada na semana passada, Marina Silva é a pré-candidata menos conhecida entre os eleitores: 31% deles disseram nunca ter ouvido falar da senadora. Outros 40% apenas ouviram falar". [Ver "Marina Silva intensifica aparições na TV para se apresentar ao eleitorado", publicado no R7 em 26/02/2010 conforme acessado em 08/01/2011.]

O problema: como tornar a então senadora Marina Silva mais bem conhecida pela população com míseros 83 segundos de propaganda eleitoral na TV e no radio? Este era o total tempo que ela teria diariamente para fazer campanha. Dilma Rousseff teria extensos 12 minutos, José Serra nove minutos, também uma "eternidade" na TV. O fato de a candidata recusar coligações cujo objetivo seria apenas engordar o tempo de campanha na televisão e no rádio – hábito arraigado na política tradicional, o de criar ajuntamento de partidos para ganhar mais tempo de exposição na TV, cultivado inclusive pelo Partido Verde – também compunha a diferenciação política da campanha de Marina Silva.

O desafio da equipe de internet era compensar o pouco tempo na TV com muito tempo na rede, conquistar a maioria dos eleitores via internet, mesmo que o total deles (incluindo as crianças, que não votavam, mas podiam ficar conhecendo Marina Silva e falar dela para seus pais e parentes) significasse bem menos pessoas do que o total de votantes do país.

Quase 136 milhões de brasileiros estavam registrados para votar em 2010. Até então, a rede arrebanhava de 65 milhões, a menor conta, a 81,3 milhões de internautas, a mais otimista das projeções [65 milhões de internautas era a quantidade total de internautas brasileiros aceita em 2010 pelo mercado a partir de pesquisas do Datafolha e do Ibope/NetView. Conforme a Internet World Stats, em junho de 2010, este número estaria por volta de 72 milhões. Pesquisa realizada pela F/Nazca e divulgada em novembro de 2010 apontou os 81,3 milhões. Conforme acessado em 12/01/2011].

Outra questão delicada era a referente à arrecadação. Desde o início se intuía que não havia candidata melhor para angariar doações via internet quanto Marina Silva. Tinha causa, tinha carisma apesar do partido pequeno, podia conquistar uma militância engajada que ajudaria na captação.

Desde 2007, por exemplo, seu nome arregimentava seguidores consubstanciados no Movimento Marina Silva, o que ajudou ainda mais o trabalho. Este movimento chegou à campanha com quase 30 mil integrantes inscritos em seu site. E ainda alimentava pretensões de ir além da internet, de extrapolar para o mundo físico, o que acabou se consubstanciando nas Casas de Marina espalhadas pelo país, ideia nascida no Movimento.

Como dar visibilidade total à candidata na internet? Como facilitar o acesso ao seu pensamento político e à sua equipe? Foi a partir desta confluência de necessidades e desafios que se esboçou a estratégia na internet cujos eixos seriam dois: primeiro, o site oficial como uma espécie de "hub", centro de toda a comunicação; e segundo, a mobilização das redes sociais para a arregimentação de simpatizantes, voluntários e consequente captação de recursos.





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