26 julho, 2011

Vai uma dica, assistem o Filme/documentário "PACHAMAMA"... Incrível!

Esse filme narra a viagem do diretor, Eryk Rocha, pela floresta brasileira em direção ao Peru e à Bolívia, onde encontra a realidade de povos historicamente excluídos do processo político de seus países e que pela primeira vez na história buscam uma participação efetiva na construção do seu próprio destino.

História, roteiro, fotografia e música - MARAVILHOSAS SURPRESAS!!!

abaixo 2 opiniões valorosas sobre o filme...




Carlos Alberto Mattos

Pachamama, no antigo idioma aymara, quer dizer “mãe-terra”, seu significado se expandindo também para “vida” e “realidade”. Mas há outra palavra mencionada no filme de Eryk Rocha que se presta melhor a defini-lo. É Pachakutik, que significa “universo em movimento”. Eryk fez um road-doc que se vale de dois procedimentos básicos: a viagem e a sintonia do rádio.

O movimento é reiterado desde as imagens de abertura (asfalto em velocidade) e através de estradas, serras e cidades do centro-oeste e norte brasileiro, do Peru e da Bolívia. “Não há limite entre viagem e filme”, diz a voz do diretor logo no início. A viagem, porém, não se torna um tema do filme. Ninguém mais se refere a ela. O que não impede que o movimento seja um eixo narrativo e uma matéria de constante experimentação imagética.

Assuntos e paisagens – naturais e humanas – vão se sucedendo num regime de edição parecido com o girar do dial de um rádio. De vez em quando, é o rádio mesmo que se ouve, provavelmente o rádio do jipe Land Rover, “editando” notícias sobre a situação de determinado lugar. É, portanto, com a superficialidade e a ligeireza de um travelling que Eryk pretende dar conta do motivo de sua viagem: “saber o que estava acontecendo no Peru e na Bolívia” em janeiro de 2007.

Empunhando o tempo todo a própria câmera, o diretor recolhe sinais de uma América do Sul em transformação: aqui um muro grafitado em louvor da “revolução agrária”, ali a manifestação de um militante em prol da civilização aymara, acolá uma imagem de Evo Morales defendendo na TV a legalidade da folha de coca. O Brasil aparece em reflexo nas considerações de peruanos e bolivianos, entre o ressentimento e a admiração.

Quando saiu à procura desse “o que estava acontecendo”, Eryk tinha os olhos voltados não somente para o presente, mas sobretudo para o passado. Peru e Bolívia seriam exemplos de uma tentativa de conciliar política contemporânea e culturas muito antigas. De fato, ouvir a lenda da fundação de Cuzco pela boca de um velho xamã, na língua quéchua, ou a reivindicação de um boliviano a respeito das “nações originárias” andinas é algo que desperta a consciência de uma ancestralidade sul-americana, normalmente sufocada pela premência do futuro e a necessidade do moderno.

Em meio a um amplo descrédito com relação à política tradicional, o filme recolhe também vozes contrárias ao rumo atual das democracias peruana e boliviana. Há tanto quem duvide que a ascensão de representantes indígenas a postos-chave do estado seja a panacéia para os males do continente, como quem se oponha a essa ascensão, caso dos aguerridos autonomistas de Santa Cruz de la Sierra. Enquanto gira seu dial, Pachamama demonstra que está viajando no centro de um lenta fogueira.

Como em Intervalo Clandestino, mas de maneira mais poética e efetiva, Eryk Rocha foca esse novo filme na multidão. Os rostos sem nome enchem a tela como avisos de inquietação, esperança e perplexidade. Quando se move, Pachamama é dominado pela exuberância da natureza. Quando se detém, são os rostos que falam, com palavras ou com silêncios nos quais se pode ler muitos significados. A magnífica edição sonora de Aurélio Dias forja ritmos e atmosferas mobilizadoras, abrindo o campo de representação das imagens para além do visível.

Enquanto partilha conosco um passeio elucidativo pelo coração do continente, dando corda a sua veia experimental, Eryk vai confirmando sua relativa discrição enquanto figura enunciadora nos filmes. Se em Rocha que Voa, sua condição de filho do personagem Glauber permanecia no plano do engendramento, sem nunca chegar ao proscênio, aqui sua presença resume-se à voz de introdução, à referência de um sindicalista sobre “o gringo que nos está filmando” e à crise que o fez passar mal dentro da antiga mina de prata de Cerro Rico de Potosí, na Bolívia. De resto, é no manejo hábil e sensível da câmera que ele se coloca por inteiro.

Pachamamaé o sumo essencial da viagem que Eryk fez com um pequeno grupo de intelectuais no início do ano passado. Uma versão mais completa dessa colheita está passando no Canal Brasil, na série Da Selva à Cordilheira.





Walter Salles

Alguns diretores olham para o mundo de forma tão original e específica que, logo nos primeiros planos de seus filmes, é possível perceber quem está por trás da câmera.

O mestre Eduardo Coutinho é um deles. Alguns jovens cineastas também têm essa rara qualidade. Beto Brant na ficção, por exemplo. Ou Eryk Rocha, no documentário.

Logo nos primeiros planos de Pachamama, viagem documental de Eryk através do continente latino-americano que estreou na última sexta-feira, somos convidados à participar de uma jornada tão sensorial quanto aquela vivida em Rocha que Voa. Nesse mergulho em busca de uma América Latina em transformação, Eryk nos conduz na direção de um continente indígena, onde a herança incaica se revela bem mais próxima de nós do que poderia parecer à distância.

O filme é o resultado de uma viagem feita a partir do Brasil por um grupo de pesquisadores que partem em dois jipes para a Bolivia e o Peru - a tríplice fronteira. Os companheiros de viagem não são nunca enfocados - aqui, só importa quem vive na(s) terra(s) que a câmera de Eryk desvenda. Encontros na estrada, ou à margem dela.

Caminhos, campos, montanhas. Em Pachamama, o mergulho é para dentro do coração de um continente. Cuzco, no Peru, El Alto na Bolívia, algum lugar perdido entre dois vilarejos andinos. "Agosto é o mês em que não deixamos adoecer a terra", nos diz uma india Aymara. Toda uma cosmogonia, uma visão inusitada do tempo e do espaço, começa a tomar forma.

Nessa deriva poética, a câmera interessa-se principalmente pelo humano, mas também pelo político. Escuta-se Evo Morales com a mesma atenção dada àqueles que, na provínvia de tendência separatista que é Santa Cruz, criticam o atual governo boliviano por "não escutar nossos opositores" e "não propor um processo democrático real".

É essa coragem de não fugir ao debate, aliada à uma utilização tão criativa do som e da imagem quanto a dos documentários anteriores de Eryk Rocha, que faz de Pachamama um filme que merece ser descoberto. Um filme para aqueles que querem saber mais notícias sobre a América Latina do que aquelas que chegam a nós pelas TVs. A de um continente em transe.

Paradoxalmente, é o Brasil que pode ser visto refletido à distância. "Quanto mais nos distanciamos do ponto de partida, mais aprendemos sobre nós mesmos", disse uma vez Wim Wenders. "Pachamama" permite tecer a relação entre o Brasil e países que nós parecem tão distantes, mas na verdade não o são. Permite também perceber o quanto o documentário brasileiro é hoje rico e diverso, passos à frente da nossa ficção.

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